Autor de post polêmico, professor da UFRPE lança livro sobre ‘heterofobia’

Professores do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) emitiram nota de repúdio sobre o livro ‘Heterofobia: um risco para o estado de direito’, escrito pelo docente de engenharia de pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Ademir Gomes Ferraz e lançado semana passada no Recife. A obra, segundo o grupo, “traz, sem qualquer embasamento da ciência, lógica ou bom senso, a ‘tese’ de que a homossexualidade é uma patologia – contrariando orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda sugere a existência de um suposto comportamento criminoso que o ‘autor’ intitula de ‘heterofobia’ (sic)”. Em janeiro de 2014, o autor da publicação foi criticado na web por uma postagem considerada homofóbica.

Segundo relatos na internet e do próprio Ademir Ferraz, o lançamento do livro foi realizado na noite da última sexta (24), no auditório da Associação dos Docentes da UFRPE (Aduferpe), no bairro de Dois Irmãos, Zona Norte do Recife. Durante a apresentação, dois manifestantes entraram no local e discutiram com o professor. Um exemplar chegou a ser queimado e a dupla foi expulsa do local pelos garçons do evento.

O um site procurou a Aduferpe, mas a diretoria da entidade informou que ainda vai se reunir para emitir um posicionamento sobre o caso. Também explicou que, como filiado à associação, Ademir Ferraz tinha o direito de solicitar o auditório para o evento. Sobre o episódio, a UFRPE emitiu nota afirmando que “a instituição repudia toda e qualquer manifestação de preconceito, discriminação e desrespeito à diversidade e aos direitos humanos”.

À reportagem, Ademir Ferraz afirmou que a UFRPE deveria expulsar um dos manifestantes que se identificou como aluno da instituição. “De certa forma, embora não concordando com a permanência deste aluno, homossexual heterófobo, entendo que a reitora hesite. É preciso ter muita capacidade de ação, muita coragem para tal decisão se, amanhã, possivelmente, a imprensa a vai chamar de reitora homofóbica. Esperaria ver a seguinte manchete, inédita no país: ‘Heterófobos agridem professor e trabalhadores em lançamento de livro’. Evidente que isso não vai acontecer, é até possível, por absurdo, que eu seja taxado, junto com o livro, de homofóbico”.

O professor confirmou ao site inclusive, que criou um blog para dar a versão dele sobre fato. Em texto publicado na última segunda (27), ele destaca que os manifestantes deveriam ser levados para tratamento em “clínicas da China à base de choque elétrico e injeção de uma medicação da qual não se tem conhecimento.”

Prefácio do livro
O blog traz ainda o prefácio do livro, também enviado ao site, por e-mail, pelo próprio professor. Ele explicou não querer dar entrevista por conta da repercussão negativa da última reportagem sobre post dele nas redes sociais, feita em 2014, e afirmou que pincelou partes que gostaria de usar como resposta para a polêmica do livro. O primeiro trecho destacado do prefácio diz que “não é necessário mais do que dois parágrafos para dizermos o quão difícil é uma bibliografia que dê conta de um estudo no qual o homossexual seja descrito como uma pessoa normal. Alguém com atitudes benéficas, nocivas, corretas, erradas, etc. Ou são satanizados ou santificados. Ou tudo é preconceito ou alofilia. E nada disso é correto.”

Não é necessário mais do que dois parágrafos para dizermos o quão difícil é uma bibliografia que dê conta de um estudo no qual o homossexual seja descrito como uma pessoa normal.”
trecho do livro do professor Ademir Ferraz

Depois, o professor escolheu um parágrafo que explica o objetivo da publicação. “No sentido do ineditismo, o projeto se coloca em virtude de tratarmos o homossexualismo masculino em seus três grupos principais denominados de: Heterófilos (ou heteróficos), Heterófobos e Simpatizantes. Por uma questão de maior interesse e importância no contexto do risco na estabilidade ao estado de direito, o foco nos simpatizantes foi minimizado. Às vezes até dizemos: dois grupos principais de homossexuais. Isso porque, para o foco da questão, os simpatizantes estão entre os heterossexuais e os homossexuais, pois, conforme dizemos, vivem as duas vidas.”

Ao final, ele conclui com o seguinte parágrafo: “veremos que a heterofobia ultrapassa a homofobia no momento em que, por ignorância estratégica, heterófobos e simpatizantes ‘elegeram’ quase tudo como preconceito: trocaram algo condenável por algo condenável. Essa estratégia transforma-se em intolerância, e intolerância fomenta intolerância. Conforme veremos na introdução, até o estupendo e saudoso Chico Anísio, que trabalhou, e o brilhante Jô Soares que trabalha com tantos homossexuais, negros e mulheres, deram a mão a tantos artistas brilhantes sem olhar para a sua atividade sexual, cor, estado econômico, etc. Ainda assim, são tratados como preconceituosos, homofóbicos”.

Nota de repúdio
Foi a partir da leitura desse prefácio publicado no blog que professores do Departamento de Comunicação da UFPE basearam a nota de repúdio. Para eles, o livro “traz, sem qualquer embasamento da ciência, lógica ou bom senso, a ‘tese’ de que a homossexualidade é uma patologia – contrariando orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS).”

Nota de repúdio subscrita por 12 professores da UFPE contra livro de docente da UFRPE (Foto: Reprodução/ Facebook)Nota subscrita por 12 professores da UFPE contra livro de docente da UFRPE (Foto: Reprodução/ Facebook)

A nota ainda destaca que a obra surge em momento em que a violência contra a população LGBT está crescendo. “Segundo o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais no Brasil, elaborado pelo Grupo Gay da Bahia, a quantidade de casos dobrou na última década. Em 2014, foram assassinados 319 gays, travestis e lésbicas no Brasil e nove cometeram suicídio. Os números equivalem a um caso a cada 27 horas, de acordo com o levantamento. Em 2004 foram registrados 149 assassinatos.”

A professora Adriana Santana foi uma das 12 pessoas que subscreveram a nota e contou que soube do livro pela repercussão nas redes sociais. “Eu acho que a gente tem a obrigação moral, como professor de uma instituição pública, de nos posicionar. A sociedade deve cobrar de uma instituição pública [a UFRPE] um posicionamento mais rígido para coibir esse tipo de comportamento, que leva ações desse tipo, que chegam a ser criminosas”, afirmou.

Professor da UFRPE publicou esta mensagem na noite da quinta (9) (Foto: Reproduçao/Facebook)Professor da UFRPE publicou esta mensagem em 9 de
janeiro de 2014 (Foto: Reproduçao/Facebook)

Post polêmico
Em janeiro de 2014, o professor Ademir Ferraz virou alvo de críticas na web e de alunos da instituição por fazer posts considerados homofóbicos no Facebook [veja ao lado]. Em entrevista na época, ele disse que se aborrecia com homossexuais de “comportamento histérico”. Apesar das declarações, ele negou ser homofóbico, afirmou estar sendo alvo de briga política e ainda pediu desculpas “a todos os segmentos de tendências sexuais”.

Na época, a assessoria de imprensa da UFRPE informou que a ouvidoria da instituição recebeu 35 denúncias sobre a conduta do professor. As queixas seriam encaminhadas à Reitoria, que iria investigar o caso e decidir sobre possível punição ao docente. O site procurou novamente a instituição, que não deu retorno sobre o resultado do processo até o momento da publicação desta reportagem. No entanto, confirmou que o docente continua dando aulas na instituição.