O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) ingressou com ação civil pública no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) pedindo para que seja declarada a nulidade da Lei nº 18.138/2015, que institui o Plano Específico para o Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Vereadores em 4 de maio e sancionado no mesmo dia pelo prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB). A lei foi publicada no Diário Oficial do Município em 5 de maio. A ação, assinada conjuntamente pelos promotores Maxwell Vignoli, Áurea Vieira, Bettina Guedes e Ricardo Coelho, foi divulgada nesta terça (12).
Na ação com pedido liminar, os promotores ainda solicitam que a Prefeitura do Recife “se abstenha de praticar todo e qualquer ato administrativo consistente na concessão de alvará/licença de demolição, aprovação de projeto arquitetônico e/ou alvará/licença de construção para quaisquer empreendimentos imobiliários na área contemplada pela lei, bem como suspenda os que eventualmente já tenham sido concedidos.”
Em nota técnica encaminhada à imprensa, o MPPE aponta diversas irregularidades que motivaram o pedido da ação civil pública. Entre elas estão falhas detectadas no processo de análise e aprovação do projeto Novo Recife, previsto para o Cais José Estelita, além de vícios formais ocorridos no processo de elaboração, análise e aprovação do Plano Específico para o Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga.
Procurada por um site a assessoria de imprensa do TJPE informou que a ação foi distribuída para o juiz Lúcio Grassi Gouveia, da 8ª Vara da Fazenda Pública. A Secretaria de Assuntos Jurídicos informou que a Prefeitura do Recife ainda não foi notificada e, por ora, não se pronunciará. A assessoria do projeto Novo Recife informou que não iria se posicionar sobre a ação.
Entenda o caso
O projeto imobiliário Novo Recife, na área do Cais José Estelita, é alvo de polêmica desde que veio a público, em 2012. Ele prevê a construção de torres empresariais e residenciais. No mesmo ano, ativistas recifenses promoveram a primeira edição do Ocupe Estelita, inspirados pelo movimento “Occupy Wall Street”. A ideia era realizar atividades culturais na área do Cais, para que a população conhecesse esse terreno tão estrategicamente localizado, mas abandonado há muito tempo. Desde então, o local foi palco de shows, aulas públicas e atividades de lazer, além de diversas manifestações e conflitos.
Cinco ações tramitam questionando o projeto imobiliário Novo Recife: uma ação civil pública do Ministério Público estadual, uma do Ministério Público federal e três ações populares. As ações populares pedem a nulidade do ato administrativo do então Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), que aprovou a proposta imobiliária, no fim de 2012.
O Novo Recife afirma que o projeto foi muito estudado, respeita os parâmetros legais do estado, do município, e cumpre a lei. Durante o processo de negociação iniciado no primeiro semestre de 2014, o grupo de construtoras disse estar de acordo em fazer um redesenho do projeto. Segundo eles, o desenho da obra imobiliária prevista para o Cais foi concebido a partir de informações coletadas desde 1970 e foi elaborado por três arquitetos.

Depois de uma tentativa de demolição dos armazéns existentes no terreno, em maio do mesmo ano, que teve seu alvará posteriormente suspenso pela Justiça, o debate sobre o tema voltou a se intensificar. No começo do segundo semestre do ano passado, a Prefeitura do Recife abriu um prazo para receber sugestões para as diretrizes que guiariam o redesenho do projeto imobiliário. As alterações foram apresentadas pelo consórcio construtor em novembro. De posse de toda essa documentação, a PCR elaborou o projeto de lei, após ser aprovado no Conselho da Cidade, agora aprovado pela Câmara Municipal.
Em março de 2015, a área operacional do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas foi incluída na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário Brasileiro. A decisão foi do Iphan. O pátio ferroviário fica no terreno do Cais José Estelita, vizinho ao local previsto para o projeto Novo Recife. Também em março, os integrantes do Movimento Ocupe Estelita e Direitos Urbanos entregaram uma petição para tombamento do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas e do Cais José Estelita ao Iphan. O documento foi recebido pelo Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização, e será analisado.
Veja íntegra da nota técnica do MPPE:
“O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, através dos 35º, 12º, 43º e 8º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com atuação, respectivamente, em matérias de Habitação e Urbanismo, Meio Ambiente e Patrimônio Histórico e Cultural, Patrimônio Público e Direitos Humanos, comunica que, na data de 11/05/2015, deu entrada em AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE COM PEDIDO LIMINAR em face do MUNICÍPIO DO RECIFE, e da CÂMARA DE VEREADORES DO RECIFE, pelas razões a seguir expostas:
1. Tramita na Promotoria e Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, desde o ano de 2008, procedimento investigatório instaurado pelo 35º Promotor de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com atribuição em Habitação e Urbanismo, convertido em abril de 2010 no Inquérito Civil nº 30/2008-35ªPJHU, para apurar os fatos narrados em peças informativas oriundas do Ministério Público Federal, referentes à falta de utilização e de aproveitamento do Cais José Estelita, nesta cidade;
2. Com as investigações já em curso, realizou-se a venda do terreno pertencente à antiga Rede Ferroviária Federal – RFFSA, situado no Cais José Estelita, a um consórcio de empresas do ramo da construção civil, posteriormente denominado Consórcio Novo Recife;
3. No ano de 2012, a Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, por meio dos 35º e 12º Promotores de Justiça, ingressou com uma ação civil pública, processada sob o nº 0195410-25.2012.8.17.001, pugnando pela declaração de nulidade dos processos administrativos referentes ao Projeto Novo Recife, em face de flagrantes irregularidades detectadas no processo de análise e aprovação do projeto do mencionado empreendimento;
4. No ano de 2014, quando estava em curso a Copa do Mundo, munida de uma ordem judicial de reintegração de posse, a Polícia Militar de Pernambuco procedeu à desocupação da área do Cais José Estelita, adquirida pelo Consórcio Novo Recife à RFSSA, a qual havia sido ocupada por manifestantes do movimento Ocupe Estelita, ao descobrirem que, sem qualquer aviso prévio, algumas máquinas começaram a demolir os armazéns existentes dentro daquele terreno. Em face de denúncias de abuso da força policial, foi instaurado pelo Ministério Público procedimento investigativo próprio – IC nº 12006-1/8 – Anexo.
5. Após a desocupação da área, o Município do Recife e o Consórcio Novo Recife anunciaram a retirada do projeto da forma como até então vinha sendo apresentado e manifestaram disposição de iniciar um processo de discussão com a participação da sociedade civil, representada pelos movimentos sociais e por técnicos e órgãos com notório conhecimento em matéria urbanística, entre estes o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o Instituto dos Arquitetos do Brasil, a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Católica de Pernambuco;
6. No final de outubro de 2014, a Prefeitura do Recife convocou audiência pública sobre o redesenho do Projeto Novo Recife, porém descumpriu o prazo mínimo legal de 15 (quinze) dias entre a data da publicação e a data estipulada, tendo sido necessária a expedição da Recomendação nº 01/2014 para que o Município do Recife resolvesse suspender a audiência pública e convocar uma nova em observância à legalidade;
7. Em janeiro do corrente ano, foi inciado o processo de análise do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, para atender às exigências contidas nos arts. 193 e 194 do Plano Diretor da Cidade do Recife (Lei nº 17.511/2008);
9. Várias irregularidades e controvérsias ocorridas durante o processo de análise e discussão do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, no Conselho da Cidade do Recife, foram apontadas em representação formulada perante os 35º, 43º e 8º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital dentre elas: a) remessa para os conselheiros, por e-mail, de três versões diferentes da minuta do referido Plano e a constatação de diferenças significativas entre elas. A primeira versão foi elaborada pelo Instituto Pelópidas da Silveira, órgão municipal responsável pela produção de estudos, planos e projetos urbanísticos e considerada pela maioria dos conselheiros melhor que a última versão, defendida pelo Presidente do Conselho da Cidade; b) ausência de análise e sistematização do Plano pela Câmara Técnica de Planejamento, Controle Urbano e Meio Ambiente; c) inexistência de quórum para votação do Plano;
10. Conforme se constatou a partir de registro audiovisual feito por participante da reunião, integrantes do conselho oriundos de entidades representativas de arquitetos e urbanistas, como o Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU, posicionaram-se no sentido de que não tinham elementos para deliberar sobre a matéria, tendo o primeiro, em conjunto com outros conselheiros, se retirado antes de iniciar o processo de votação;
11. Além dos vícios formais ocorridos no processo de elaboração, análise e aprovação do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, foram constatadas pelo Ministério Público incompatibilidades entre este e o Plano Diretor da Cidade do Recife: a) não observância do estabelecido nos incisos II e III do art. 194, ou seja,“reassentamento das famílias ocupantes de áreas de preservação ambiental ou em situação de risco,” ou mesmo qualquer diretriz tendente a “promover a inclusão sócio-espacial, através da requalificação de áreas de urbanização precária, com prioridade para a melhoria da acessibilidade, mobilidade, condições de moradia e regularização fundiária”; b) não observância do disposto no art. 222, o qual estabelece que, até a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, deverá ser adotado, entre outros parâmetros, o coeficiente de utilização máximo de 1,5 nas Zonas de Ambiente Natural, bem mais restritivo do que o coeficiente de utilização de 4,0, estabelecido no art. 10 do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, na Zona 5 (Z-5), setores S-5A, S-5b, S-5c E S-5d
12. Constatadas tais irregularidades formais e materiais e ante o envio do Projeto de Lei nº 08/2015, que instituía o Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga à Câmara dos Vereadores do Recife, mesmo em desacordo com os preceitos legais estabelecidos na Lei nº 18.013/2014, que instituiu o Conselho da Cidade do Recife e de seu regimento interno, foi expedida a Recomendação Conjunta nº 01/2015 ao Presidente do Conselho da Cidade do Recife para que providenciasse “o imediato pedido de devolução do Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga – Projeto de Lei 08/2015 à Câmara dos Vereadores do Recife, a fim de que seja encaminhado para a devida discussão no âmbito do Conselho da Cidade do Recife, com o fito de que seja respeitada a legislação pertinente, com a efetiva atuação da Câmara Técnica de Planejamento, Controle Urbano e Meio Ambiente e, especialmente, respeito ao quórum para deliberação conforme previsão legal, bem como que seja providenciada a necessária adequação das irregularidades materiais ora levantadas”.
13. Diante do não acatamento dos termos da Recomendação, no dia 30.04.2015, foi proposta ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, objetivando que o Poder Judiciário determinasse ao Município do Recife dar cumprimento ao que fora recomendado pelo Ministério Público;
14. No primeiro dia útil seguinte (04/05/2015), antes mesmo que o Poder Judiciário se manifestasse quanto ao pedido de antecipação da tutela na ação, o Presidente da Câmara de Vereadores do Recife Vicente André Gomes decidiu colocar em votação o Projeto de Lei nº 08/2015, mesmo não estando prevista para aquela data a sua votação em plenário. Por sua vez, o Prefeito da Cidade sancionou o Plano Específico do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga – Lei nº 18.138/2015, tendo a publicação se dado no dia seguinte à votação (05/04/2015), no Diário Oficial do Município;
15. Além da flagrante nulidade da lei em questão, a mesma ainda contém dispositivo que invalida todo o esforço empreendido no sentido de estabelecer diretrizes urbanísticas para a área do Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, uma vez que no seu artigo 22 traz disposição que impede seja ela aplicada a projetos já aprovados. Consoante entendimento pacificado no âmbito da doutrina e dos tribunais superiores as leis urbanísticas são normas de ordem pública e devem ter aplicabilidade imediata. A inclusão desse artigo esvazia todo o objetivo do plano específico, mostrando-se lesivo à ordem urbanística;
16. Assim, diante da grave violação de princípios e direitos constitucional e legalmente assegurados, notadamente a garantia de uma política de desenvolvimento urbano que promova o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garanta o bem-estar de seus habitantes, tendo como instrumento básico o plano diretor, e da efetiva participação popular, o Ministério Público, por intermédio dos 35º, 12º, 43º e 8º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, deu entrada, no dia 11/05/2015, em ação civil pública para que seja declarada a nulidade da Lei nº 18.138/2015, que institui o Plano Específico o Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga. Em sede de liminar, requereu que o Município do Recife se abstenha de praticar todo e qualquer ato administrativo consistente na concessão de alvará/licença de demolição, aprovação de projeto arquitetônico e/ou alvará/licença de construção para quaisquer empreendimentos imobiliários na área contemplada pela Lei nº 18.138, de 05 de maio de 2015, a saber, Cais José Estelita, Santa Rita e Cabanga, bem como suspenda os que eventualmente já tenham sido concedidos.
Recife, 12 de maio de 2015.
ÁUREA ROSANE VIEIRA
43ª Promotora de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital
BETTINA ESTANISLAU GUEDES
35ª Promotora de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital
MAXWELL ANDERSON DE LUCENA VIGNOLI
8º Promotor de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital
RICARDO V. D. L. VASCONCELLOS COELHO
12º Promotor de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital”